Cinema contemporâneo e família: remédio contra individualismo egoísta
Fala Jerônimo José Martín, presidente do Círculo de Escritores Cinematográficos
Por Miriam Díez i Bosch
Fala Jerônimo José Martín, presidente do Círculo de Escritores Cinematográficos
Por Miriam Díez i Bosch
BARCELONA,
-O cinema de hoje se ocupa da família. De fato, a solidão, a falta de comunicação, a incompreensão e a dor, enfrentadas desde a unidade e o carinho da família, geraram alguns dos filmes mais relevantes dos últimos anos: é o que constata o crítico e professor de cinema Jerónimo José Martín, presidente desde 1999 do Círculo de Escritores Cinematográficos (CEC), a principal associação espanhola de críticos e informadores de cinema, e a instituição de cinema mais antiga da Espanha.
Em 29 de agosto passado, ele deu em Barcelona a conferência «A realidade familiar no cinema contemporâneo», organizada por CinemaNet e pela Mostra Internacional de Cinema sobre a Família. Nesta entrevista, Martín sintetiza as principais idéias que expôs nessa conferência, ao mesmo tempo em que repassa os principais filmes recentes em torno à família.
Jerónimo José Martín é crítico de cinema do jornal La Gaceta de los Negocios, do programa Pantalla Grande (Popular TV), da seção cultural de La Linterna (COPE), da agência de colaboradores Aceprensa, e das revistas Pantalla 90, Fila 7 e Humanitas (Santiago do Chile).
Também é professor de História do Cinema de Animação na Escola de Cinema e Audiovisual da Comunidade Autônoma de Madri (ECAM), e de Cinema e Moda no Centro Universitário Villanueva, de Madri.
– Que aspecto da família você destacaria dentro do cinema contemporâneo?
– Martín: Há aproximações sugestivas de diversas procedências, algumas inclusive antagônicas, como o cristianismo e o marxismo.
Neste sentido, destacam-se as contribuições do novo cinema social, surgido após a queda dos regimes comunistas na Europa e liderado por diversos cineastas de formação marxista ou filomarxista, que há anos menosprezavam a família por ser alienante, e que agora a reivindicam como um poderoso foco de solidariedade em uma sociedade cada vez menos solidária. Aí estão filmes como Raining Stones, Secrets & Lies, La stanza del figlio, Italiano para principiantes, Caos, Central do Brasil, Kamchatka, Sozinhas, El Bola, Héctor...
– Esta tendência se aplica à Europa e à América Latina?
– Martín: Ela se difundiu sobretudo nesses âmbitos. Mas seu enfoque de elogio da família coincide com o de muitos filmes dos Estados Unidos – sobretudo os de procedência hispânica, como My Family, Spy Kids, Spanglish e Bella e de lugares tão diversos como a China (Wo de fu qin mu qin), India (Monsoon wedding, The Namesake, Bride and prejudice) ou Irã (Pedar, Children of Heaven).
Sem dúvida, a irrupção de um cinema étnico nos cartazes ocidentais fortaleceu uma tendência cada vez mais clara, e o cinema contemporâneo reivindica a família como o melhor remédio contra o individualismo egoísta, verdadeira causa dos abismos de solidão de tanta gente.
– Diante desses abismos, o cinema mostra famílias fortes, que os superam positivamente?
– Martín: Certamente. A solidão, a falta de comunicação, a incompreensão e a dor, enfrentadas desde a unidade e o carinho da família, geraram alguns dos filmes mais relevantes dos últimos anos. Basta recordar títulos como Grand Canyon, Na América, O óleo de Lourenço, Searching for Bobby Fischer, O caso Winslow, Magnólia, Playing by heart, Vidas contadas, Cinderela Man, In Good Company, La tigre e la neve, End of the spear, Efter Brylluppet, As asas da vida, Doze é demais, Cras – no limite, Babel, Pequena Miss Sunshine, A ganhadora, Os Incríveis, Le escaphandre et le papillon, El atardecer, Things We Lost in the Fire, Juno, Lars and the Real Girl, The Happening...
– Todos esses filmes têm alguma característica em comum?
– Martín: São filmes muito diferentes entre si, mas a maioria reivindica a família como um âmbito no qual nunca se abandona ninguém, inclusive quando age mal.
É a luminosa visão que Frank Capra – católico praticante – ofereceu há décadas em obras mestras como You can't take it with you ou It's a wonderful life. Trata-se de uma perspectiva antimaterialista, solidamente assentada na doutrina cristã sobre a providência, a caridade e o sacrifício.
Isso é totalmente contrário à recente produção espanhola Camino (2008), na qual seu diretor e roteirista, Javier Fesser, confirma que não entende – ou não quer entender – a atitude cristã diante do sofrimento. Felizmente, sua militante perspectiva atéia é muito minoritária dentro do cinema atual.
– Como estão surgindo correntes que colocam em dúvida o papel da família?
– Martín: Estão influenciando menos do que parece, apesar da atenção que se deu a filmes trapaceiros de propaganda gay como Filadélfia, In & Out, O casamento do meu melhor amigo, Brokeback Mountain, Sexo em Nova York ou Mamma Mia.
Por um lado, muitos cineastas se negam a cair no certo sexismo gay desses filmes, que tendem a apresentar todas as mulheres heterossexuais como histéricas, todos os homens heterossexuais como brutos insensíveis e os homossexuais e lésbicas como os únicos equilibrados.
A maioria dos cineastas se nega também a aceitar acriticamente uma doutrina profundamente individualista, que apresenta como um direito a escolha da própria orientação afetivo-sexual, sem que se possa ser reprimido pelos demais, nem pela sociedade, nem pela própria natureza humana...
– Kramer versus Kramer levou o divórcio às telas em 1979. Desde então, é raro ver um filme sem um divórcio. O que está acontecendo?
– Martín: Acontece que o cinema reflete uma triste realidade: a epidemia de divórcios que assola as sociedades ocidentais.
Diante dessa situação, alguns filmes modernos pretenderam desdramatizar o divórcio e a infidelidade conjugal, causadora de muitas dessas rupturas. Aí estão Mrs. Doubtfire, As Pontes de Madison, Definitivamente, talvez Vicky Cristina Barcelona...
Contudo, o melhor cinema continuou apresentando o divórcio como um fracasso do amor e como um dos grandes males da sociedade atual.
Kramer versus Kramer marcou época, como também, em 1999, In the Mood for Love, de Wong Kar-Wai, de Hong Kong, que elogia a fidelidade conjugal com uma delicadeza e uma sensibilidade portentosas, similares às de outra obra mestra: a recente Eleven (2007), do irlandês John Carney.
Em todo caso, foi o desaparecido mestre sueco Ingmar Bergman quem criticou com mais vigor e lucidez a complacência frívola diante do divórcio e da infidelidade. Aí estão seus impressionantes roteiros para Encontros privados (1996) e Infiel (2000), ambos dirigidos por Liv Ullmann.
Fonte: ZENIT.org
Em 29 de agosto passado, ele deu em Barcelona a conferência «A realidade familiar no cinema contemporâneo», organizada por CinemaNet e pela Mostra Internacional de Cinema sobre a Família. Nesta entrevista, Martín sintetiza as principais idéias que expôs nessa conferência, ao mesmo tempo em que repassa os principais filmes recentes em torno à família.
Jerónimo José Martín é crítico de cinema do jornal La Gaceta de los Negocios, do programa Pantalla Grande (Popular TV), da seção cultural de La Linterna (COPE), da agência de colaboradores Aceprensa, e das revistas Pantalla 90, Fila 7 e Humanitas (Santiago do Chile).
Também é professor de História do Cinema de Animação na Escola de Cinema e Audiovisual da Comunidade Autônoma de Madri (ECAM), e de Cinema e Moda no Centro Universitário Villanueva, de Madri.
– Que aspecto da família você destacaria dentro do cinema contemporâneo?
– Martín: Há aproximações sugestivas de diversas procedências, algumas inclusive antagônicas, como o cristianismo e o marxismo.
Neste sentido, destacam-se as contribuições do novo cinema social, surgido após a queda dos regimes comunistas na Europa e liderado por diversos cineastas de formação marxista ou filomarxista, que há anos menosprezavam a família por ser alienante, e que agora a reivindicam como um poderoso foco de solidariedade em uma sociedade cada vez menos solidária. Aí estão filmes como Raining Stones, Secrets & Lies, La stanza del figlio, Italiano para principiantes, Caos, Central do Brasil, Kamchatka, Sozinhas, El Bola, Héctor...
– Esta tendência se aplica à Europa e à América Latina?
– Martín: Ela se difundiu sobretudo nesses âmbitos. Mas seu enfoque de elogio da família coincide com o de muitos filmes dos Estados Unidos – sobretudo os de procedência hispânica, como My Family, Spy Kids, Spanglish e Bella e de lugares tão diversos como a China (Wo de fu qin mu qin), India (Monsoon wedding, The Namesake, Bride and prejudice) ou Irã (Pedar, Children of Heaven).
Sem dúvida, a irrupção de um cinema étnico nos cartazes ocidentais fortaleceu uma tendência cada vez mais clara, e o cinema contemporâneo reivindica a família como o melhor remédio contra o individualismo egoísta, verdadeira causa dos abismos de solidão de tanta gente.
– Diante desses abismos, o cinema mostra famílias fortes, que os superam positivamente?
– Martín: Certamente. A solidão, a falta de comunicação, a incompreensão e a dor, enfrentadas desde a unidade e o carinho da família, geraram alguns dos filmes mais relevantes dos últimos anos. Basta recordar títulos como Grand Canyon, Na América, O óleo de Lourenço, Searching for Bobby Fischer, O caso Winslow, Magnólia, Playing by heart, Vidas contadas, Cinderela Man, In Good Company, La tigre e la neve, End of the spear, Efter Brylluppet, As asas da vida, Doze é demais, Cras – no limite, Babel, Pequena Miss Sunshine, A ganhadora, Os Incríveis, Le escaphandre et le papillon, El atardecer, Things We Lost in the Fire, Juno, Lars and the Real Girl, The Happening...
– Todos esses filmes têm alguma característica em comum?
– Martín: São filmes muito diferentes entre si, mas a maioria reivindica a família como um âmbito no qual nunca se abandona ninguém, inclusive quando age mal.
É a luminosa visão que Frank Capra – católico praticante – ofereceu há décadas em obras mestras como You can't take it with you ou It's a wonderful life. Trata-se de uma perspectiva antimaterialista, solidamente assentada na doutrina cristã sobre a providência, a caridade e o sacrifício.
Isso é totalmente contrário à recente produção espanhola Camino (2008), na qual seu diretor e roteirista, Javier Fesser, confirma que não entende – ou não quer entender – a atitude cristã diante do sofrimento. Felizmente, sua militante perspectiva atéia é muito minoritária dentro do cinema atual.
– Como estão surgindo correntes que colocam em dúvida o papel da família?
– Martín: Estão influenciando menos do que parece, apesar da atenção que se deu a filmes trapaceiros de propaganda gay como Filadélfia, In & Out, O casamento do meu melhor amigo, Brokeback Mountain, Sexo em Nova York ou Mamma Mia.
Por um lado, muitos cineastas se negam a cair no certo sexismo gay desses filmes, que tendem a apresentar todas as mulheres heterossexuais como histéricas, todos os homens heterossexuais como brutos insensíveis e os homossexuais e lésbicas como os únicos equilibrados.
A maioria dos cineastas se nega também a aceitar acriticamente uma doutrina profundamente individualista, que apresenta como um direito a escolha da própria orientação afetivo-sexual, sem que se possa ser reprimido pelos demais, nem pela sociedade, nem pela própria natureza humana...
– Kramer versus Kramer levou o divórcio às telas em 1979. Desde então, é raro ver um filme sem um divórcio. O que está acontecendo?
– Martín: Acontece que o cinema reflete uma triste realidade: a epidemia de divórcios que assola as sociedades ocidentais.
Diante dessa situação, alguns filmes modernos pretenderam desdramatizar o divórcio e a infidelidade conjugal, causadora de muitas dessas rupturas. Aí estão Mrs. Doubtfire, As Pontes de Madison, Definitivamente, talvez Vicky Cristina Barcelona...
Contudo, o melhor cinema continuou apresentando o divórcio como um fracasso do amor e como um dos grandes males da sociedade atual.
Kramer versus Kramer marcou época, como também, em 1999, In the Mood for Love, de Wong Kar-Wai, de Hong Kong, que elogia a fidelidade conjugal com uma delicadeza e uma sensibilidade portentosas, similares às de outra obra mestra: a recente Eleven (2007), do irlandês John Carney.
Em todo caso, foi o desaparecido mestre sueco Ingmar Bergman quem criticou com mais vigor e lucidez a complacência frívola diante do divórcio e da infidelidade. Aí estão seus impressionantes roteiros para Encontros privados (1996) e Infiel (2000), ambos dirigidos por Liv Ullmann.
Fonte: ZENIT.org
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