Jesus lava os pés de seus
discípulos
Um momento solene
No 13º capítulo do seu Evangelho, João fala sobre Jesus fraco, pequeno, que
terminará sendo condenado e morto na cruz como um blasfemador, um fora da lei ou
um criminoso. Até então, Jesus parecia tão forte, havia feito tantos milagres,
curado doentes, ordenado que o mar e o vento se acalmassem e falado com
autoridade para os escribas e os fariseus. Ele parecia ser um grande profeta,
quem sabe até o Messias. O Deus do poder estava com Ele. Mais e mais pessoas
estavam começando a segui-lo, esperavam que Ele os libertasse dos romanos,
resgatando assim, a dignidade do povo escolhido. O tempo da páscoa estava
próximo. A multidão e os amigos dele pensavam: "Será que Ele vai se revelar na
páscoa? Então, todos acreditarão nele." Todos esperavam que algo extraordinário
acontecesse. No entanto, em vez de fazer algo fantástico, Jesus tomou o caminho
oposto, o da fraqueza, o da humilhação, deixando que os outros o vencessem. Este
processo de humilhação teve início quando o Verbo se fez carne no seio da Virgem
Maria, e continuou visível para os discípulos no lava-pés. Terminará com a
agonia, paixão, crucifixão e morte.
O começo deste capítulo é muito solene: "Antes do dia da festa da Páscoa,
sabendo Jesus que tinha chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado
aos seus, que estavam no mundo, amou-os até ao extremo. Começada a ceia, tendo
já o demônio posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a
determinação de o entregar, sabendo que o Pai tinha posto em suas mãos todas as
coisas, que saíra de Deus e ia para Deus, levantou-se da ceia, depôs o manto, e
apegando uma toalha cingiu-se com ela." (Jo 13,1-4).
Estas palavras são muito fortes: "Jesus, sabendo que o Pai tinha posto em
suas mãos todas as coisas, que saíra de Deus e ia para Deus, levantou-se da
ceia, depôs o manto..." Então, Ele se ajoelhou diante de cada um de seus
discípulos e começou a lavar-lhes os pés, em uma atitude de humilhação,
fraqueza, súplica e submissão. De joelhos ninguém pode se mover com facilidade
nem se defender.
João Batista havia dito que ele não era digno nem de desatar as sandálias de
Jesus (Mc 1,7). No entanto, Jesus se ajoelha em frente a cada um de seus
discípulos.
Os primeiros cristãos devem ter cantado o mistério de Jesus, que se desfez da
sua glória e se fez fraco, como encontramos nas palavras de S. Paulo aos
Filipenses: "O qual, existindo na forma (ou natureza) de Deus, não julgou que
fosse uma rapina o seu ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a
forma de servo, tornando-se semelhante aos homens e sendo reconhecido por
condição como homem. Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até a morte, e
morte de cruz! (Fl 2,6-8)
Nós estamos frente a um Deus que se torna pequeno e pobre, que desce na
escala da promoção humana, que escolhe o último, que assume o lugar de servo ou
escravo. De acordo com a tradição judia, o escravo lavava os pés do senhor, e
algumas vezes as esposas lavavam os pés do marido ou os filhos lavavam os do
pai.
Jesus tira o manto
Jesus lava os pés dos discípulos não antes da refeição, o que poderia ser
apenas um costume judeu de se purificar antes da refeição, ele lavou-os durante
a refeição. Imaginemos a surpresa dos discípulos ao verem Jesus se levantar da
ceia, tirar o manto, isto no meio da ceia pascal, um momento particularmente
solene. Eles devem ter se olhado confusos "o que é que Ele está fazendo agora?"
Era muito estranho!
A roupa é normalmente significativa. Ela identifica a posição ou função de
alguém na vida: soldados, prefeitos, médicos, juizes, atletas e padres todos
usam roupas que revelam sua função na sociedade. As roupas geralmente expressam
uma certa identidade, dignidade e autoridade - ou a falta destas. A roupa pode
significar o status ou o lugar que alguém ocupa na sociedade. Os ricos usam
determinado tipo de roupas, os pobres usam outro, os pedintes outro.
Talvez Jesus tenha tirado o manto simplesmente porque era mais fácil lavar os
pés dos discípulos sem o manto. Usando a túnica ele estava vestido para o
trabalho. Porém, parece haver um sentido mais profundo neste gesto. Isto é
indicado no Evangelho de João da forma como ele esconde e revela o mistério. As
palavras que ele usa são: "ele depôs o manto" e Ele "o pegou de novo". Estas
palavras depôs e pegou são as mesmas que Jesus usa em Jo 10, 11.15.17.18, quando
Ele fala em dar a sua vida e tomá-la novamente. Isto parece indicar que tirar o
manto significa dar a vida Dele.
Ao tirar o manto Jesus se despiu de qualquer função ou status social. Claro
que Ele tinha poder, autoridade pois era um judeu, um profeta e um mestre.
Porém, aqui, Jesus queria ser apenas uma pessoa, um amigo de seus discípulos.
Antes de ser o Senhor e o Mestre, Jesus era um coração que procurava outros
corações, um amigo ansioso por estar em comunhão com seus amigos, alguém que
queria viver no coração dos amigos.
No final de nossas vidas seremos julgados pela maneira como amamos, não pelas
roupas que usamos ou pelas máscaras que a sociedade nos forçou a usar. Seremos
julgados pelo que realmente somos, não pelo nosso papel na sociedade ou nosso
emprego.
Ao tirar o manto, Jesus quer demonstrar que está retirando tudo que possa ser
um obstáculo à comunhão dos corações.
Jesus lava os pés dos seus discípulos
"Ele pegou uma toalha e cingiu-se com ela. Depois colocou água numa bacia, e
começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava
cingido"(Jo 13, 4-5). Os discípulos resistem. Pedro reage fortemente. Ele
expressa o que provavelmente está no coração de cada um dos discípulos. A mesma
resistência que talvez esteja em cada um de nós. O que diríamos nós se Jesus,
Nosso Senhor, aparecesse diante de nós e começasse a lavar nossa roupa ou limpar
nossa casa? Não ficaríamos acanhados e chocados? Nós certamente diríamos a Jesus
para sentar na sala de estar e serviríamos tudo que Ele desejasse. Ele chegou
junto a Pedro e este disse "Senhor, vais lavar os meus pés? E Jesus respondeu:
"Tu não sabes o que estou fazendo, depois irás compreender." Pedro então
respondeu: "Jamais lavarás os meus pés." Jesus respondeu "se eu não os lavar não
terás parte comigo" (Jo 13,6-9).
Apesar de ter uma atitude humilde e submissa diante de Pedro, Jesus mantém
sua autoridade. Ele fala seriamente "se eu não lavar os teus pés não terás parte
comigo". Estas são palavras fortes que em uma linguagem simples significam: "se
eu não posso lavar teus pés não serás mais meu amigo, meu discípulo. Não poderás
entrar no meu reino e receber a minha herança. Tudo entre nós está terminado,
podes ir embora." Ter os pés lavados por Jesus não é uma opção, é uma condição
essencial para ser seu amigo entrar no seu reino de amor. Pedro não consegue
entender isto.
Pedro percebe a seriedade e a gravidade da resposta de Jesus e fica trêmulo.
Talvez isto o tenha feito lembrar-se das palavras de Jesus ao chamá-lo de Pedro
(A Pedra - "sobre esta pedra edificarei a minha igreja), e ao chamá-lo de
Satanás, depois que se lamenta ao ouvir de Jesus o anúncio do seu sofrimento e
morte (Jesus, voltando-se para Pedro, disse: "Retira-te de mim, satanás; tu
serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas das
coisas dos homens". Mt 16,23). Palavras duras! Porque Jesus falou tão
fortemente? Esta dureza esconde uma urgência e grande vulnerabilidade. Jesus
está vulnerável. Aceitar o caminho da dor e do sofrimento, dar a própria vida,
aceitar com humildade, como um escravo, sem direitos, ficar no último lugar:
tudo isto vai contra o desejo normal do coração humano. Nosso desejo é ser
alguém, mostrar quem somos através de nossas origens, qualidades, capacidades e
direitos básicos. Estar disposto a renunciar a tudo isto não é fácil para Jesus,
pois Ele permanece humano, como todos nós, exceto em uma coisa, o pecado. Este,
no entanto, é caminho do amor que é dado a Ele pelo Pai no qual Ele viverá a
total comunhão com o Pai e revelará seu amor radical por seus amigos, "até o
fim." Pedro tem que entender isto urgentemente.
Frente a dureza da resposta de Jesus "Se eu não lavar os teus pés, não terás
parte comigo", Pedro cede. Ele se abre para Jesus, mesmo sem entender porque ele
não aguentaria se separar de Jesus. Então ele grita: "Senhor, lava não somente
meus pés mas também minhas mãos e minha cabeça!" Talvez ele pensasse que Jesus
estava criando um novo ritual de purificação. Mas Jesus afirma que não é isto,
"aquele que se lavou não tem necessidade de lavar senão os pés, pois todo ele
está limpo. Vós estais limpos, mas não todos. Porque Ele sabia qual era o que ia
traí-lo, por isso ele disse: Não estais todos limpos" (Jo 13,10-11).
Vocês devem fazer como eu tenho feito com vocês
"Depois que lhes lavou os pés e que tomou seu manto, tendo retornado à mesa,
disse-lhes: compreendeis o que fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem,
porque o sou. Se eu, pois Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis
lavar os pés uns dos outros. Porque eu dei-vos o exemplo, para que, como eu vos
fiz assim façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo. O servo não é
maior que o seu senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. Se
compreendeis estas coisas, bem-aventurados sereis se as praticardes."(Jo
13,12-17)
Se Jesus lava os pés de seus discípulos, ele quer demonstrar seu amor por
cada um e mostrar a todos que a humildade e o serviço são o centro de sua
mensagem. Pedro reage fortemente, ele não quer admitir que Jesus se ajoelhe
diante dele: "Tu nunca lavarás os meus pés!"
Jesus insiste e diz que eles não só devem deixá-lo lavar-lhes os pé mas
também devem lavar os pés uns dos outros. Ele está dando o exemplo. Então, da
mesma forma que deixar que Jesus lhes lave os pés não é opcional para os
discípulos também não é opcional lavar os pés dos irmãos.
Vejamos que esta é a única parte do Evangelho onde Jesus diz: "Eu vos dei o
exemplo." Jesus é nosso modelo. Em outras ocasiões Ele nos pede que aprendamos
com Ele ou que façamos certas coisas como Ele as fez. Aqui ele insiste que se
nós quisermos ser seus discípulos, ser parte do seu reino, nós temos que seguir
seu exemplo e lavar os pés uns dos outros. Nós temos que fazer coisas que
parecem ir a além do bom senso, costumes e tradições culturais.
É claro que Jesus está nos pedindo acima de tudo para termos certas atitudes
para com os outros. Não é apenas uma questão de lavar os pés. O lava-pés é um
sinal e um símbolo. Jesus nos pede que ajamos sempre com um coração humilde e
cheio de amor em relação aos outros. Mas ao mesmo tempo Jesus insiste na
importância de lavarmos e tocarmos os pés uns dos outros.
Conclusão
A imagem de Jesus ajoelhado aos pés da humanidade, está na minha mente há
algum tempo. Jesus se abaixando para limpar e curar as feridas e para lavar os
pés, sem dizer nenhuma palavra, mas com lágrimas escorrendo pelo rosto. Como é
diferente da imagem de um Deus que julga, condena e pune; um Deus que vê os
seres humanos como culpados. Por muitos séculos, as pessoas tiveram esta imagem
de Deus. Mas Jesus nos diz: "Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o
fardo, e eu vos aliviarei" (Mt 11, 28).
Hoje as pessoas estão exaustas. Há muito que fazer, muitas coisas a aprender.
A competição está em toda parte, poucos são os vencedores e muitos os
perdedores. A vida é uma luta constante pela sobrevivência. Muitas pessoas têm
que usar máscaras para esconder sua falta de coragem, as dores do seu coração,
seu desespero, sua falta de senso de dignidade, porque às vezes eles não têm
trabalho.
Outras pessoas estão cansadas de tantas horas de viagem para o trabalho e
para casa, suas agendas superlotadas, compromissos, metas a alcançar e todos os
problemas sociais ainda não resolvidos e os problemas do mundo. Quando as
pessoas estão muito cansadas e fragmentadas, elas perdem a energia e o desejo de
celebrar, de agradecer. Elas não têm mais tempo para as outras pessoas,
especialmente para os pobres e marginalizados, elas não têm tempo para abrir o
coração.
Jesus ao lavar os pés dos discípulos nos mostra como Deus ama, e como seus
discípulos, naquela época e hoje também, são chamados a amar e a "amar até o
fim".
Finalmente, o lava-pés é um mistério como muitos outros atos de Jesus. Nós
entramos neste mistério gradativamente, através de momentos em que sofremos
perdas e nos tiram mais e mais o que possuímos. Quando Jesus diz a Pedro que ele
entenderá 'mais tarde' Jesus está dizendo aos seus discípulos que é somente
depois da longa noite do desconhecimento, e somente por um novo dom do Espírito
Santo, que podemos penetrar este mistério e vivê-lo.
Jesus convida seus amigos a tirarem as roupas que lhes dão um status
especial, a retirar as máscaras e a se apresentar perante os outros
humildemente, vulneravelmente, com toda a sua pobreza. Para se tornar pequeno e
humilde é necessário um coração cheio de amor, purificado dos seus medos e da
segurança humana, pronto para amar até o fim, a fim de dar a vida aos
outros.
Como Jesus quer que o imitemos? Jesus nos convida a seguí-lo na caminho da
pequenez, do perdão, da confiança, da comunhão a da vulnerabilidade - sem
abandonar em outros momentos nosso papel de responsabilidade onde exercemos
autoridade com força e justiça, bondade e firmeza. Jesus nos convida a viver a
loucura do Evangelho, não julgar os outros, mas sermos compassivos, perdoar e
amar até o fim, e até amar aos nossos inimigos. Isto é impossível a menos que
retiremos nossas vestes e nos tornemos pobres e desnudos perante Deus, para que
estejamos totalmente "revestidos de Cristo."
Algumas pessoas, inspiradas pelo Espírito Santo, vivem mais profundamente a
bênção do lava-pés, de sentar e comer com o pobre, o manco, o aleijado e o cego.
Outros que têm importantes papeis na sociedade são tocados pelo sermão da
montanha e pelo seu exemplo de vida. Eles anseiam por seguí-lo mais de perto. O
rei Luís IX da França - S. Luís - costumava lavar os pés os doentes, todo ano na
Quinta-feira Santa. Ele gostava de receber mendigos em sua casa e os servia na
mesa.
Um dia, enquanto ele caminhava com um acompanhante, eles ouviram o sino
que avisava a aproximação de um leproso. Seu acompanhante correu, com medo de
ter contato com o leproso. Luís no entanto, foi ao encontro do leproso e
beijou-lhe a mão. Mahatma Ghandi quando visitava uma cidade, sempre procurava
ficar com os "intocáveis" (os que pertencem as mais baixas castas da sociedade
indiana), Ghandi passou a chamá-los de harijans, "filhos de Deus". Na sua
própria vida na comunidade, no ashram onde ele vivia, mesmo quando tinha um
importante papel na política, ele fazia questão de lavar os banheiros - e
continuou a fazer isto até o final de sua vida. Desta forma, Ghandi testemunhava
Jesus, pobre e humilde, Jesus o servo, que ele tanto admirava.
Depende de cada um de nós descobrir como somos chamados a ser mais "revestido
de Cristo," a fim de servirmos nossos irmãos e irmãs com amor, bondade e
humildade. Depende de cada um se aproximar mais daqueles que estão "abaixo",
ajudá-los a se levantar, ouvi-los, pedir seus conselhos, aceitá-los como são,
com todas as suas diferenças, ser um deles.
Jesus insiste para que os discípulos lavem os pés uns dos outros. Ele diz a
Pedro que é absolutamente necessário que ele lhe deixe lavar os pés, caso
contrário, ele não terá parte com Jesus. Jesus afirma que ao fazer isto, ele
está nos dando um exemplo a ser seguido, e que isto é uma bem-aventurança e uma
benção. Tudo isto é porque Jesus quer que tenhamos uma atitude interior de
humildade e serviço em todas as ocasiões. Mas ele também está afirmando a
importância de realmente lavarmos os pés uns dos outros. Este ato de humildade
expressa de forma concreta o nosso amor e respeito pelos outros.
A Igreja Católica Romana realiza na Quinta-feira Santa a cerimônia do
lava-pés, quando o padre lava os pés de doze membros da comunidade, como um
sinal de obediência a Jesus. Não está Jesus pedindo que todos os membros das
comunidades cristãs, de todas as famílias cristãs, lavem os pés uns dos outros
em uma cerimonia bem preparada, em espírito de oração, serviço e comunhão?
Lavar os pés de um irmão ou irmã em Cristo, permitir que alguém lave os
nossos pés, é um sinal de que juntos nós queremos seguir a Jesus, tomar o
caminho da pequenez, para encontrar a presença de Jesus no pobre e no fraco.
Isto não é um sinal de que queremos viver um relacionamento de coração com os
outros, encontrá-los como uma pessoa e um amigo, e viver em comunhão com eles?
Não é isto um sinal de que desejamos ser homens e mulheres de perdão, desejamos
ser curados e purificados para curarmos e purificarmos os outros e então
vivermos em maior comunhão com Jesus?
Fonte: comshalom.org