Uma anglicana bate às portas de Roma
Deborah Gyapong analisa a viagem de Bento XVI ao Reino Unido
Por Serena Sartini
Por Serena Sartini
- Às vésperas da visita de Bento XVI, Deborah Gyapong, que faz parte da Comunhão Anglicana Tradicional (TAC, em inglês), grupo que pediu a comunhão plena com a Igreja Católica, analisa, nesta longa entrevista concedida a ZENIT, o impacto que terá a visita do Papa ao Reino Unido - que começa amanhã.
Jornalista e escritora, Deborah Gyapong faz cobertura, do Canadá, de eventos políticos e religiosos para diversos meios de comunicação. Em 2005, seu livro "The Defilers" ganhou o prêmio de Melhor Novela Cristã no Canadá.
ZENIT: Como você vê a visita de Bento XVI ao Reino Unido? Que impacto ela pode ter para o diálogo com as igrejas anglicanas?
Deborah Gyapong: Quando se anunciou a publicação da constituição apostólica Anglicanorum Coetibus, em outubro de 2009, alguns a tacharam de "caça furtiva" ou compararam esta decisão do Papa com uma dispersão de tanques no jardim do arcebispo da Cantuária.
Mas, como o Papa e outros na Cúria Romana insistiram, com esta proposta não fazia mais que responder às repetidas petições, não só da nossa parte, mas por parte de outros grupos anglicanos como Forward in Faith, e outros, incluindo muitas pessoas individualmente.
A constituição não faz referências à TAC, mas a grupos de anglicanos e aos futuros ordinariatos pessoais para anglicanos que poderiam ser uma maneira de reunir aqueles que experimentam a necessidade do ministério de Pedro e que esperam conservar uma beleza litúrgica anglicana e outros aspectos do nosso patrimônio. Mas a constituição não buscava dar um passo atrás nas relações ecumênicas com a Igreja Anglicana da Cantuária, que representa milhões de pessoas no mundo.
A Igreja Católica e a Igreja Anglicana continuam compartilhando muitos projetos, especialmente em seu esforço por ajudar os pobres. Isso continuará, assim como as boas relações que se construíram com passar dos anos.
ZENIT: Muitos meios de comunicação britânicos criticaram a visita do Papa e anunciaram manifestações. Você está preocupada com isso?
Deborah Gyapong: Não estou preocupada com isso nem com as críticas da mídia britânica à visita do Papa. Acho que a má reputação de alguns meios de comunicação é um sinal de que a visita do Santo Padre será uma poderosa obra de Deus. Pude ver este mesmo esquema no passado.
Antes da Jornada Mundial da Juventude de 2002, em Toronto, houve muitos boatos na mídia: "os jovens não virão...", "o Papa é velho e perdeu o charme..."; criticaram tudo que puderam de João Paulo II e da Igreja. Mas quando João Paulo II pisou o solo canadense, a mídia ficou surpresa pelo impacto daquele frágil idoso, assim como dos milhares de jovens que vieram de muito longe para escutá-lo.
Alguns expoentes dos meios de comunicação confessaram que ficaram profundamente comovidos pela presença daquele homem santo. A cobertura da Jornada Mundial da Juventude foi bonita, respeitosa e ofereceu uma oportunidade incrível de nova evangelização através da mídia não-religiosa. Aconteceu a mesma coisa antes da Jornada Mundial de Colônia, a primeira de Bento XVI, pois todos anunciavam que seria um fracasso; segundo eles, Bento XVI não tinha entre os jovens o carisma de João Paulo II.
Pois bem, não foi um fracasso, muito pelo contrário: foi um grande êxito. E podemos dizer o mesmo de Sydney. Antes de o Papa visitar os Estados Unidos, boa parte da cobertura era muito negativa, trazendo à luz as feridas dos abusos sexuais dos sacerdotes e centrando-se nos problemas. Acabou sendo uma visita incrível, com pessoas que viajaram de carro da Flórida e de outras cidades do país só para vê-lo passar no papamóvel pela Quinta Avenida ou em outros lugares.
Acho que também na Grã-Bretanha haverá muita curiosidade e vontade de prestar homenagem a este homem grande e santo, o Papa Bento XVI, teólogo respeitado por cristãos de todas as confissões.
ZENIT: Como você acha que será o encontro do Papa com o arcebispo Rowan Williams, primaz da Comunhão Anglicana?
Deborah Gyapong: Tenho certeza de que tudo sairá bem. O arcebispo da Cantuária é um teólogo respeitado e, pelo que sei, é também um homem de oração.
Foi um período muito difícil para a Comunhão Anglicana, pois alguns dos seus responsáveis assumiram uma direção mais liberal e outros se tornaram mais evangélico-protestantes; outros permanecem em sua orientação anglo-católica. Tiveram encontros cordiais no passado e confio em que este também será assim.
ZENIT: Há anos, vocês pediram ao Papa que Roma os acolhesse em plena comunhão. Por quê? Quanto tempo é preciso para isso? Que respostas receberam?
Deborah Gyapong: Quando a TAC foi fundada, no começo dos anos 90, reagrupando várias igrejas que queriam "continuar sendo anglicanas" no mundo, ele fez da unidade dos cristãos parte da sua missão.
O conceito "continuar" sendo anglicanos faz referência àqueles anglicanos que sentiam que não podiam permanecer na Comunhão Anglicana da Cantuária depois de vários sínodos anglicanos que começaram a aprovar a ordenação das mulheres nos anos 70.
Sua concepção era que, em uma religião revelada, você não pode mudar um sacramento de origem divina - como as ordens sagradas - com um ato democrático, e não pode deixar que as últimas modas das ciências sociais acabem com a Escritura e com a Tradição. Pois bem, "continuar" sendo anglicanos, sem o ministério do Papa, seria converter-se em uma "sopa de letrinhas", um acrônimo de igrejas divididas por conflitos pessoais, ou que não estão de acordo no que significa ser anglicano.
A TAC é o único grupo, dos que querem continuar sendo anglicanos, que viu como o ministério do Papa, o ministério de Pedro, é essencial não só como sinal de unidade dos cristãos, mas também como uma autoridade jurídica necessária para assegurar que a fé, tal como foi recebida das testemunhas do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, possa ser transmitida de maneira intacta de geração em geração. Alguns dos bispos da TAC desejaram a unidade dos cristãos desde que eram anglicanos na Comunhão da Cantuária. O bispo Robert Mercer, agora retirado e residente no Reino Unido, participou da Comunhão Internacional Anglicano-Católica (ARCIC, em inglês) nos anos 80, quando era bispo de Matabeleland, no Zimbábue.
Mas o desejo de unidade se remonta a datas anteriores. Nos anos 70, estendeu-se uma grande esperança, na época de Paulo VI e do arcebispo da Cantuária, Michael Ramsay, de poder restaurar a cisão de maneira que as "igrejas irmãs" pudessem ficar "unidas, não absorvidas".
Mas esta esperança de Mercer foi frustrada quando a Igreja Anglicana começou a separar-se do que havia compartilhado com a Igreja Católica e Ortodoxa. Abandonou a Igreja Anglicana e se converteu em bispo da Igreja Católico-Anglicana do Canadá, que faz parte da TAC.
Oficialmente, as primeiras conversas sobre a unidade da TAC com a Igreja Católica aconteceram no começo dos anos 90. O então arcebispo primaz Louis Falk participou delas, com a presença do atual primaz, o arcebispo John Hepworth, da Austrália, e um sacerdote anglicano, que exercia o papel de conselheiro e especialista.
A resposta, em resumo, foi esta: vocês têm de crescer; não ordenem muitos bispos; e cultivem as boas relações com os bispos católicos locais. Estes encontros informais buscavam fundamentalmente conselho sobre qual seria a melhor maneira de proceder. A TAC continuou crescendo e fazendo o que lhe foi pedido, e depois buscou conselho sobre como apresentar uma petição formal [para entrar em comunhão com Roma, N. da R.].
O arcebispo Hepworth participou dos diferentes sínodos da TAC realizados no mundo para garantir que contava com o apoio dos bispos, do clero e dos leigos para apresentar sua petição formal. Enviou-se uma carta ao Papa, pedindo seu conselho.
O Santo Padre respondeu afirmando que se deveria apresentar uma petição formal à Congregação para a Doutrina da Fé. Em outubro de 2007, o colégio dos bispos da TAC teve um encontro em Portsmouth (Inglaterra) e redigiu a petição formal para entrar em comunhão com a Sé de Pedro.
ZENIT: Vocês acreditam no que o Catecismo da Igreja Católica diz? O que é a Eucaristia para vocês?
Deborah Gyapong: Nossos bispos assinaram o Catecismo da Igreja Católica no altar, no dia 5 de outubro de 2007, na Igreja de Santa Ágata, em Portsmouth, para dizer que "aceitamos que a expressão e aplicação mais completa e autêntica da fé católica neste momento se encontra no Catecismo da Igreja Católica e em seu Compêndio, que assinamos juntos com esta carta, como testemunho da fé que queremos ensinar e conservar".
Sou jornalista, não teóloga, e não posso dizer que compreendo todo o alcance do que aparece no Catecismo da Igreja Católica. Mas pude ver que não posso continuar sendo um pequeno papa na minha própria mente, optando e dizendo por mim mesma as doutrinas nas quais acredito e as que descartei.
Boa parte da minha formação foi evangélica protestante e, pouco a pouco, pude ver que, antes de compreender aquilo em que deveria crer, é melhor seguir o conselho de Santo Anselmo da Cantuária e dizer: "Creio para poder compreender".
Dessa forma, decidi abraçar a autoridade do Magistério da Igreja Católica, no qual acredito. Uma fé apostólica é crucial para encontrar nossa liberdade em Cristo e a liberdade para viver como se deve. Não sou teóloga e não posso explicar o mistério da Eucaristia, mas eu acredito que Jesus está totalmente presente, em seu corpo, mente, alma e divindade no Santíssimo Sacramento; que nos alimenta, nos limpa e nos envia unidos a Ele para ser suas mãos, seus pés, sua voz para proclamar seu amor e a Boa Nova da salvação a um mundo fragmentado.
ZENIT: Como é a reação de outras comunidades anglicanas diante da constituição apostólica Anglicanorum Coetibus, que lhes permite entrar em comunhão com o Papa?
Deborah Gyapong: Acho que, em um primeiro momento, o número dos anglicanos que se une aos ordinariatos [para anglicanos em plena comunhão com o Papa, N. da R.] parecerá pequeno. A TAC, comparada com a Comunhão Anglicana, é pequena.
Muita gente de Forward in Faith, que é bastante grande no Reino Unido, mas pequena nos Estados Unidos, Austrália e em outros países, terá de deixar salários seguros, direitos musicais, belíssimas casas e seus leigos, de quem se sentem pastores, se decidirem deixar a Comunhão Anglicana. Há um enorme ponto de interrogação e um "lançar-se ao mar".
Muitos anglicanos se encontram em um processo de discernimento difícil neste momento. Alguns adotam a atitude de "esperar e ver o que acontece" para compreender se realmente serão capazes de manter sua identidade anglicana ao converter-se em membros da Igreja Católica. Mas acho que os primeiros ordinariatos serão como grãos de mostarda que crescerão, tornando-se cada vez mais atraentes, não só para os anglicanos, mas para todos os cristãos que sabem que uma bela liturgia, rezada com sentido, ajuda toda a comunidade a aprofundar no mistério do sacrifício único e eterno de Jesus Cristo.
Os ordinariatos serão parte da renovação litúrgica que o Santo Padre deseja e, ao mesmo tempo, a beleza litúrgica se unirá a uma fé católica abraçada com todo o coração, ao ensinamento do Catecismo por parte de bispos e sacerdotes que creem no que dizem, sem cruzar os dedos por trás ou reduzindo a Palavra sobrenatural de Deus a uma metáfora.
Fonte: ZENIT.org
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