Iniciamos a Quaresma
Na Quarta-Feira de Cinzas, iniciamos a Quaresma, período de conversão e preparação para ”fazermos Páscoa”, para celebrarmos o encontro com Cristo Ressuscitado! É um tempo anual de renovação para toda a Igreja. No evangelho deste dia de jejum e abstinência, Cristo explicita quais os elementos que devem acompanhar a vida de cada cristão: a esmola, a oração e o jejum. Estas práticas surgem e nascem da essência do cristianismo. Fazem parte de nossa natureza, e não podemos ser autênticos seguidores de Cristo sem vivê-las com convicção e entusiasmo. Elas são termômetros de nossa fé. Se algum dia eu quiser saber como está a prática da minha fé, é só utilizá-las como medida.
Logo ao início do Evangelho, Cristo nos dá uma pista de como devemos vivê-las: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos”. A vaidade e o egoísmo são ácidos que corroem as boas intenções e obras, pois deformam nossa fé e produzem cristãos de aparência e medíocres. Nossa fé é fruto de um encontro pessoal com Cristo. Por isso, não basta uma cultura cristã, faz-se necessário criar elementos que permitam que cada pessoa faça a experiência pessoal do amor de Cristo. Isto só pode ser realizado no seio da comunidade. Aqui é onde fé individual e fé comunitária se encontram. Na verdade, ambas são os dois lados da mesma moeda. Cada geração deve dar seu sim a Deus.
O amor a Cristo é a motivação para a vivência da esmola, da oração e do jejum. Quantas vezes, na comunidade, podemos cair no erro de achar que tenho o direito de possuir um cargo ou uma função! Esta é uma visão distorcida da realidade. O serviço à comunidade nasce do serviço a Deus, do encontro com o Senhor. Quando a primeira motivação é Cristo, não existe trabalho mais ou menos digno, pois o valor de algo é transmitido pelo amor. Este amor só é possível no encontro em Cristo, na eucaristia, na Palavra, na liturgia, nas celebrações de que participamos com a nossa vida de conversão, preparada para acolher a graça de Deus com a oração, o jejum e a esmola.
Um momento importante na celebração da Quarta-Feira de Cinzas é a imposição das cinzas na cabeça dos fiéis, dizendo as palavras: "Convertei-vos e crede no evangelho!" ou "Lembra-te que és pó e ao pó voltarás". Cada um que se aproxima para recebê-las está dizendo a si mesmo e à comunidade que aceita entrar neste tempo penitencial que renova anualmente a Igreja e passará a ter práticas próprias deste tempo para renovar a sua vida batismal.
Conversão e crer no evangelho são variações da mesma nota, pois a conversão é crer no evangelho, aceitar a boa nova, a grande notícia que Cristo se encarnou para nos salvar. O significado da invocação “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás” é explicado pelo Papa Bento XVI: “O homem é pó e ao pó retornará, mas é pó precioso aos olhos de Deus, porque Deus criou o homem destinando-o à imortalidade” (Audiência geral, 17 de fevereiro de 2012).
Colocar as cinzas em nossas cabeças é recordar nossa fragilidade e reconhecer a realidade de nossa existência necessitada. São as cinzas dos ramos bentos no Domingo de Ramos do ano precedente que caem sobre nossas cabeças. Domingo em que receberam Cristo pelas ruas de Jerusalém, e que nós atualizamos na celebração. Multidão, porém, que o abandou e o escarneceu na cruz. Esta multidão, hoje, somos nós, com nossos pecados, vaidade e egoísmo. As cinzas nos recordam a fragilidade de nosso existir e a nossa infidelidade ao batismo. Recordam que muitas vezes queremos dizer sim a Deus, mas a sedução do pecado é mais forte.
Não desanimemos! Temos um remédio: a confissão e a vivência da esmola, da oração e do jejum. Somos de Deus e a Deus voltaremos. Este é o princípio e fim de nossas vidas. Por isso mesmo, neste tempo abençoado uma prática essencial é participarmos da celebração penitencial, que, por tradição, em todas as paróquias torna-se possível, com maior número de sacerdotes que se unem para atender a comunidade. Também veremos que a conversão deverá ter atitudes concretas sugeridas pela Campanha da Fraternidade, sobre a saúde pública, e com a entrega do fruto de nossa penitência na Coleta da Solidariedade no Domingo de Ramos.
Aproveitemos para receber estas cinzas conscientes de que é o mesmo Cristo que nos convida à conversão neste tempo propício. E que suas palavras não são de repreensão, mas de amor e carinho. Cristo, hoje, olha em nossos olhos e diz: “Filho, eu tenho um premio para ti, e este prêmio é meu amor”. Que o amor e o desejo de servir a Deus, mesmo escondido e no silêncio, sejam nossa grande motivação da Quaresma, que ora iniciamos no itinerário rumo à paixão, morte e ressurreição do Redentor! Que o nosso jejum e a nossa abstinência de hoje tenham um gesto concreto no que deixarmos de comer e beber em favor da Campanha da Fraternidade que também iniciamos, e que o caro leitor poderá ofertar em suas comunidades eclesiais. Sejamos fraternos e solidários para viver bem este tempo favorável!
Dom Orani João Tempesta,
cisterciense, é arcebispo do Rio de Janeiro
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